Olhos e asas

Regina Zappa

Olhos e asas. Luiz Philippe Carneiro de Mendonça os têm sempre abertos. Os olhos a vasculhar as reentrâncias, os desvios, a placidez e a turbulência, os atalhos tomados pela natureza, os pequenos sinais, a exuberância posta. Olhos bem abertos, mesmo no sonho, a explorar o branco e a pedra, as formas coloniais, o calor da madeira, a intimidade da ferrugem.

Asas e olhos. Que juntos levantam vôo das velhas igrejas mineiras, dos morros, das pedras, da terra misturada ao minério moído, carregando nesse impulso as lembranças da infância em ltabirito, na Cata Branca, os olhos e as mãos nos pigmentos minerais, a tinta escorrendo fresca da memória.

Os olhos e as asas, visão e imaginação que transformam o banal em objeto de contemplação, saltam do abstrato para o quadro, a escultura, a assemblage. A possibilidade plástica de um tronco torcido, uma pá enferrujada ou um pedaço de tábua à espera de ser moldado, ganha vida real na linha de montagem que parte da observação, flutua pela criação e toma forma nas mãos do artista de alma barroca.

A visão dos objetos metidos nas mais diversas formas aciona uma fagulha na imaginação de Luiz Philippe que tece uma ponte com um passado feliz, de substância perene. “Aquele objeto, então, já entra no quadro banhado nessa aura”, diz. Banhado nas guardanças do artista, nas minas de ouro, nas sucatas de ferro da usina, transformadas em grandes navios pelas fantasias infantis.

Pouca cor, resina acrílica, sempre madeira, muito os pigmentos minerais brutos e, recentemente, o ferro. Depois de trilhar a linguagem da necessidade de reconstruir sua história na assemblage – “tenho que cumprir essa passagem até ficar quites com a memória” –,  e de fincar os pés na escultura, Luiz Philippe ainda tem pela frente o caminho da pintura. De olhos atentos e asas libertas.

Rio, junho de 2000
Regina Zappa
jornalista e escritora

Texto publicado originalmente no folder da exposição  Olhos e Asas, realizada pelo artista em Ouro Preto, MG, em agosto de 2000

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